#1 - De uma jornalista de moda cansada para fashionistas cansados
Estou cansada. Exausta. Estafada. Podre. Sem saco. Zero carisma.
E fique à vontade para inserir quaisquer outros sinônimos referentes a “cansaço” aqui.
Trabalho com moda desde 2010 - época em que passei a cursar jornalismo. Comecei a faculdade já escrevendo para uma revista adolescente muito conhecida e de circulação estadual. Eu tinha uma coluna sobre os melhores blogs da internet, escrevia matérias sobre comportamento e… moda.
Como você pode imaginar, muitas coisas mudaram ao longo destes 13 anos.
É um clichê o que eu vou falar - e me sinto envergonhada por isso - mas a forma como produzimos e consumimos conteúdo mudou completamente em um curto período de tempo, e quem trabalha com informação precisa ser cada vez mais rápido, mais atento, mais inteligente para se adaptar ao mercado e ao público, pois no fim do mês os boletos estão lá, esperando.
Tive o prazer de ter passado por uma grande redação jornalística, de ter aprendido com profissionais incríveis, e de ter lido meus textos no impresso, manchando minhas mãos ao folhear o jornal. E também me sinto muito feliz com tudo o que eu conquistei no online, trabalhando há nove anos com marketing digital.
Mas preciso confessar que a jornalista de moda que habita em mim está cansada.
Às vezes eu sinto que não posso ou não consigo me expressar mais como antes e aí entra o que eu falei anteriormente: a forma como consumimos conteúdo mudou e as pressões são outras.
Tive a sorte (mentira, foi ralação mesmo) de fazer muito bem as duas vertentes da minha profissão: o jornalismo e o marketing digital. Me dei bem - e continuo nadando muito bem - nesse mar de algoritmos, SEO, engajamento, métricas, criatividade, informação, pageviews.
Mas sabe quando você já está cansado de bater os braços e só quer descansar um pouco? Só quer boiar e aproveitar o sol, ouvir os pássaros e olhar pro céu azul, sem pensar no resto, sem a pressão de “ter que chegar até a areia antes de todo mundo”? É assim que tenho me sentido.
Ninguém vai ler o meu texto - e está tudo bem
Eu cansei de tentar ser ou parecer alguém que eu não sou e isso envolve meu trabalho, a moda e as redes sociais. Há anos tenho estudado sobre tendências em conteúdo, me especializado ao máximo, feito vários cursos e não me arrependo do conhecimento que eu adquiri, mas está na hora de eu seguir o meu coração, não o que o algoritmo dita.
Não sei quantas vezes ouvi colegas, chefes, clientes e até amigos dizendo que “era muito texto” ou, ainda, a frase que despedaça a alma de um jornalista: “ninguém vai ler”.
E eu tentei, viu? E tenho tentado todo santo dia sobreviver em um mundo repleto de vídeos curtos, informações rasas, zero embasamento e muita opinião sem critério, sem contexto, sem noção, sem cuidado, sem tato.
Criei muitos projetos e desisti no meio do caminho porque eu estava cansada e não sabia o porquê; não conseguia entender, mesmo levando todas as questões para a terapia. Até que comecei a perder o tesão pelo trabalho, pela moda, pela escrita.
O ChatGPT veio para coroar esse meu sentimento de não pertencimento.
Se agora existe uma ferramenta que escreve o que eu poderia escrever, o que eu faço da vida?
Perdi clientes por conta dele e fiquei chateada - mas minha visão tem mudado e hoje eu uso a tecnologia para revisar a gramática dos meus textos e trocar palavras repetidas por sinônimos, otimizando meu trabalho.
Enquanto isso, ao mesmo tempo em que vi a moda ganhando outras vertentes, impactando mais pessoas e se tornando mais abrangente, mais democrática, também vi muita desinformação, muita marca e pouco luxo - porque, desculpa, mas luxo para mim é o conhecimento em moda, o repertório, as referências, o que uma pessoa quer comunicar ao vestir, independentemente da label que veste.
Só que nas redes sociais, parece que se você não tem uma bolsa da marca Y ou um grande número de seguidores, mesmo com váááários cursos sobre moda, um acervo de livros gigante sobre o tema, matérias publicadas em revistas e portais nacionais, você não é nada.
Pior ainda se você é uma mulher fora do padrão e sem dinheiro.
Todo rolar de feed era um: como eu vou conseguir nadar nesse mar?
Who the fuck is Jhenifer Pollet?
Estamos vivendo a era do fast: fast food, fast fashion, fast content.
E eu não aguento mais me entupir de informação sem saborear o que estou consumindo. E de ver outras pessoas fazendo o mesmo - e sem se questionarem sobre.
Estou cansada e me sinto perdida.
Recentemente tive mais uma crise profissional - eu já perdi as contas de quantas foram neste ano - e paralisei. Não consegui trabalhar o dia todo, chorei sem parar, estava mal de verdade.
Até que eu sentei na frente do notebook e comecei a pesquisar, a estudar sobre o futuro da comunicação e o futuro da moda.
Para a minha felicidade, descobri que as pessoas estão voltando a consumir vídeos e textos longos, e isso me trouxe uma pontinha de esperança.
Nos Estados Unidos, muitos jornalistas estão deixando os portais e redações tradicionais para viverem do conteúdo publicado em seus perfis no Substack - plataforma que estou usando para criar essa newsletter.
Foi o estalo que eu tive para perceber que todo esse cansaço, todo esse nadar e nadar, vem de algo simples e “esquecível”, ou melhor, “subestimado”.
Estou cansada de não me ouvir, de tentar ser o que eu não sou só para agradar.
Calma, eu explico.
Apesar de me expressar bem e de ser mega criativa, muito boa com roteiros (não estou falando isso em um tom de soberba, eu juro), eu não sou a pessoa dos vídeos e nem a pessoa que vai se diminuir para caber em poucos cards - vai dizer… Foi boa a metáfora, né?! - e é por isso que meus projetos não estavam dando certo.
Eu tinha que vencer muita resistência, resistência essa que vinha de mim mesma.
Porque eu sou a pessoa do texto. Eu amo compartilhar meu conhecimento, meus pensamentos, por meio da escrita, dos vários caracteres que me são disponíveis.
E eu não quero, mais uma vez, me adaptar a uma estética, usar determinada técnica para reter a atenção das pessoas na capa de um carrossel no Instagram, falar sobre os vários “cores” da moda… (meus olhos estão virando nesse momento) ou me sentir obrigada a criar um conteúdo em que não acredito.
Fazer só por fazer, para ser vista, para ser conhecida - mesmo sabendo que esse material será esquecido, em poucos segundos ou minutos, ainda que esteja salvo. Por que, falando sério, quem é que tem tempo para ver os salvos?
Eu quero criar uma conexão profunda e genuína.
Quero pessoas dispostas a tirar um tempinho do seu dia, da sua correria, para se aprofundarem, para lerem um conteúdo de moda porque realmente gostam do assunto e que, ao invés de molhar o dedo do pé, se jogam por inteiro.
Eu não quero ter que me preocupar com número de seguidores, com a minha aparência, com a resolução da câmera do meu celular, com a iluminação do ambiente, com a trilha sonora de um vídeo, com a edição ou com o tamanho do carrossel.
Não quero “bots” comentando.
Eu estou cansada de tudo isso e só quero me sentir eu mais uma vez: uma jornalista de moda que escreve por amor ao que faz; por acreditar que a moda é uma ferramenta poderosa de expressão e autoconhecimento; por saber que ela precisa ser para todas, todes e todos e que mais pessoas precisam se apropriar dela.
Por entender que a informação de moda é importante para a sociedade e que moda é política.
Uma jornalista de moda que sabe que nem todo mundo vai se inscrever nessa newsletter, que nem todo mundo vai ler este texto - e está tudo bem. Porque pela primeira vez na vida, eu estou em paz comigo mesma. E estou fazendo as pazes com a moda e com a minha escrita.
Se você ficar, saiba que teremos diálogos interessantíssimos e que estou feliz com a sua presença aqui. Se for embora, está tudo bem. Agradeço por ter me dado a chance de falar (ainda que você não tenha lido tudo).
That’s all.
- E se você leu até aqui, meu muito, muito, muito, muito obrigada mesmo.
São pessoas como você que me motivam a continuar escrevendo. ♥
Oi, Jhenny! Que bom ler essa newsletter. Sabe, há uns anos eu aguardava esperançosa que o movimento dos blogs voltasse, pois adoro ler um conteúdo com começo, meio e fim - e referências -, nem que seja sobre um filme, uma série, banda, etc.
Há muita gente interessante - como você - com conteúdo (e não apenas produzindo conteúdo), que conseguiu reviver a era dos blogs por meio das newsletters - e ganhando dinheiro pelas assinaturas. Não sei como é a rentabilidade, mas como leitora é um nicho muito gostoso de se fazer parte, principalmente, quando você cria um vínculo com a PESSOA que escreve. Tem por exemplo, a Aline Valek, que sigo há muitos anos (escritora), que já migrou o conteúdo por diversos formatos e aos poucos foi construindo essa comunidade que gostar de ler e trocar informações. Ela é maravilhosa - a news chama-se "Uma Palavra".
Realmente, não é todo mundo que lê textão, mas também há essas pessoas que necessitam abrir o e-mail (que nem nossos ancestrais) e buscar por um conteúdo com coerência, que a gente não encontra em poucos caracteres e segundos.
Muito do meu movimento pessoal de sair da área de marketing e transitar para a psicologia veio de alguns pontos que você citou no seu texto. Juro que todos esses anos tentei, mas não consegui manter o tesão para criar conteúdos para marcas. Sei lá, quanto mais me questionava, mais sentia que os conteúdos solicitados pelos clientes pecavam na autenticidade e o "meu propósito", estava sendo desperdiçado pela efemeridade de um post no Instagram, que sempre ia de encontro com as horas investidas em cima do material e da cobrança dos clientes como se uma vida estivesse em nossas mãos. Lidar com essa dinâmica só funciona pra profissional de marketing em início de carreira, quem é macaco velho no marketing digital não tem mais paciência pra esse tipo de coisa.
Acho que estamos passando por um momento de transição na produção de conteúdo. Muito do "propósito" das coisas se perderam por causa de formulas prontas do tipo "ninguém lê", "vamos produzir conteúdo pro algoritmo", "a empresa precisa de um blog pra criar conteúdo de funil e aparecer nas buscas". Será mesmo? Aposto que nós duas ficaríamos horas e horas conversando sobre todas essas coisas - e ainda sairia um texto manifesto sobre todas as coisas que não fazem mais sentido nessa área.
Por exemplo, a questão dos blogs/textão fico refletindo se não rolou uma apropriação das marcas pelo formato utilizado por PESSOAS para se expressarem e, ao se apoderar a marca, mudou o pilar de todo o negócio.
Aquela pessoinha que escrevia, escrevia porque tinha prazer e, quem lia, lia porque gostava das reflexões, da personalidade da pessoa, porque se sentia próximo, porque gostava de comentar e expressar a opinião, construir junto o conteúdo como - hey, estou fazendo aqui com você!
Marcas NUNCA serão pessoas. Foi um alívio quando escutei o episódio do podcast Boa noite, Internt: "Narrativa pessoal, com Sil Curiati" (https://www.boanoiteinternet.com.br/2023/11/19/narrativa-pessoal-com-sil-curiati/
Acho que fará um bem danado pra você também esse episódio :) A convidada, simplesmente condensou toda essa questão de autenticidade e marketing digital/conteudo/narrativa. ESCUTE, ESCUTE, ESCUTE!
Basicamente a era da marca "humanizada" e "produtora de conteúdo" faz cada vez menos sentido.
Resumindo: Há sim um nicho para teus textos, mas para quem quer fazer parte de uma comunidade liderada por uma pessoa que levante reflexões sobre moda, estilo de vida, vinculado com o contemporâneo.
A minha aposta é que você não está exausta pela "moda" e em produzir conteúdo sobre o tema - quando a gente é apoixonado por alguma coisa é natural querer pesquisar e compartilhar sua visão sobre ele!
O que está te deixando exausta é como as marcas (no geral) estão produzindo conteúdo e desvalorizando cada vez mais as pessoas que produzem.
Acredito que manter um projeto pessoal - que nem sempre vai dar retorno finaneciro imediato - vai te ajudar a retomar a paixão pela moda, que querendo ou não é uma parte importantíssima da sua linda subjetividade :) O que faz a Jhenny Pollet ser a Jhenny Pollet, a pessoa apaixonada por moda e escrita - que não é uma marca e que está exausta de como as coisas andam.
Seja arqueologa da moda e reviva aquela época gostosinha dos textos da Julia Petit, Just Lia, da Karol e outras influencers que começaram a produzir conteúdos sobre o que elas eram apaixonadas.
O propósito de trabalhar no capitalismo é viver e sobreviver, mas a ativide do trabalho na vida humana é criar conexão, criar e recriar a realidade e a própria subjetividade. :) Acredite que tem alguém que quer ler seus textos, mesmo que no começo o algoritmo diga que não.