#8- Quem senta à mesa quando a moda e a comida são o prato da vez?
Estéticas com nomes de comida, parcerias entre marcas de moda e de alimentação, a comida como cenário ou parte das campanhas publicitárias. O alimento é a moda da vez.
✍🏻 Por Jhenifer Pollet
🎧 Escrita ao som de: Sex & Candy | Marcy Playground
🫗 Bebida do dia: Cafezito!
🌡️ Mood do dia em um emoji: 🫠
Entre uma rolagem e outra nas redes sociais e páginas de anúncios e editoriais de revistas de moda, meus olhos (e estômago) prestaram atenção em uma coisa: a moda e a comida estão cada vez mais unidas, como um belíssimo prato de Pasta al Pomodoro. - Mamma mia! 🍝🤌🏻
Cada vez mais tenho visto marcas de moda e de alimentos combinando ingredientes para gerar grandes receitas. E isso me faz questionar sobre a relação entre moda e comida - que vale deixar claro, não tem um histórico saudável.
Tivemos Jacquemus e suas cerejas, além de sapatilhas à mesa; fora a bolsa "baguette" da Undercover, os frizzantes da Melissa, o brócolis de Collina Strada, o café da Prada e a Dior que está com um restaurante. Além deles, há vários outros designers e marcas que estão investindo nessa estética/collab.
Será que esse tipo de mistura resulta em pratos bons de digerir ou em iguarias que só dão para comer com os olhos? E mais: quem senta à mesa quando o brócolis sai da feira para ser cravejado de cristais e virar item desejo de uma coleção de moda? Estamos com fome de quê?
- be our my guest. *
(leia no tom da música de A Bela e a Fera)
Zeitgeist: o glúten que liga a moda à comida
Você sabia que a fome, antes um estado puramente fisiológico, hoje ocupa o quinto lugar dentro dos sinais sociais, culturais, geográficos… E pasme: de marketing?
Em entrevista para a Vice, David Sax, especialista em tendências alimentares e autor do livro The Tastemakers: Why We're Crazy for Cupcakes but Fed Up with Fondue, explica que a comida e a moda acompanham tendências e, por isso, não conseguimos controlar totalmente o que consumimos.
"We do have a choice about what we put in our mouths, but the reality is that our appetite is collective. We are driven to try something because ultimately, we want to eat the zeitgeist."
- David Sax
“- Temos, sim, uma escolha sobre o que colocamos na boca, mas a realidade é que o nosso apetite é coletivo. Somos levados a experimentar algo porque, em última análise, queremos comer o zeitgeist.”
O zeitgeist é um termo de origem alemã que está relacionado ao clima cultural, intelectual e moral de uma determinada época. Ele reflete as ideias, os valores e as tendências da sociedade, sendo usado também para descrever o espírito coletivo, ou atmosfera geral, que influencia o pensamento e o comportamento das pessoas durante um determinado período de tempo.
Ele também pode ser marcado por movimentos artísticos, avanços tecnológicos, eventos políticos significativos e mudanças nas atitudes sociais - refletidos tanto na moda, quanto na alimentação.
Se eu fosse preparar um delicioso Cacio e Pepe, por exemplo, (desculpa, mas vamos continuar na gastronomia italiana por aqui), a moda seria o pecorino, a comida seria a pimenta e o zeitgeist seria o macarrão que, com um pouco da água do cozimento, dá liga ao restante dos ingredientes, transformando tudo em um prato que, apesar de gostoso, não é todo mundo que acerta - pois é preciso muita técnica.
Quando visualizamos a moda e a alimentação como dois ingredientes separados, a relação entre eles, em um primeiro momento, pode não fazer sentido. Porém, quando há um terceiro elemento - comum aos dois - fazendo o papel de liga, tudo muda.
Isso porque tanto a moda quanto a comida são partes do zeitgeist, também conhecido como o “espírito do tempo”, e aí a mágica acontece.
A comida é escassa, a moda é seletiva
Pesquisando sobre a relação entre moda e comida, cheguei ao artigo de Amábille Sehn Ferraz, especialista em Design de Moda, que aborda o assunto de uma forma interessante.
Ela observa que a moda não se limita mais apenas ao vestuário, reservada para uma pequena e privilegiada parcela da sociedade. Hoje ela faz parte do estilo de vida das pessoas e está presente na compra de um carro, de equipamentos tecnológicos, de viagens, utensílios de cozinha e da própria alimentação.
Segundo a especialista, “A moda reestruturou o ciclo de vida de muitos produtos, e consequentemente a lógica do consumo. A partir da lógica do sistema da moda os produtos precisam pertencer a uma tendência, ou ser considerado como tal, para que seja então objeto de desejo de consumo para o indivíduo”.
Outro ponto que ela aborda no artigo é a escassez e a seletividade presentes na moda e na alimentação: hoje a moda é muito mais seletiva do que escassa, diferentemente da comida, que é muito mais escassa do que seletiva. Neste caso, a escassez se dá por conta da má distribuição dos alimentos, decorrente da seletividade do consumo dos produtos.
"- Os produtos que consumimos, sejam eles de moda ou de alimentação, refletem a sociedade, somos o que comemos, somos a roupa que nos veste.
A sociedade desorientada pelo hiperconsumo, pelo excesso de informações, acaba por desorganizar as condutas alimentares, 'trata-se não mais tanto do que comer quanto de saber o que comer' Lipovetsky (2011, p.59). O indivíduo está preso 'entre os estímulos gulosos e o medo de se alimentar mal'."
- Amábille Sehn Ferraz
Nota pessoal:
Enquanto lia o artigo, não conseguia parar de pensar na ironia do sistema em que estamos inseridos. É irônico não que não haja escassez na moda - quando a própria indústria provoca escassez de recursos naturais por conta da altíssima gama de produtos.
Da mesma forma que também é irônico - e não faz sentido - deixar de comprar uma batata ou uma cenoura porque elas “não têm o formato ideal” ou estão com pequenos machucados na casca, que não influenciam no preparo e no sabor do prato.
A comida está na mesa - na moda e na beleza também
A fome encontrou a vontade de comer. Ou melhor, o marketing encontrou uma geração faminta e com poder aquisitivo para explorar novos sabores e estilos, além de mostrar tudo nas redes sociais - gerando mais desejo e vários questionamentos:
- Afinal, por que tantas tendências têm nomes de comida?
A resposta, como você pode imaginar, não é tão simples, mas podemos partir de um período que gerou grandes transformações: a pandemia. O isolamento, as perdas, o medo e as diversas mudanças no cenário global afetaram consideravelmente nossas vidas, a ponto de criar um “novo zeitgeist” - refletido nos hábitos de consumo como um todo, principalmente nos da geração Z.
Um artigo publicado pela Vogue Business apontou que a Gen Z está deixando o unboxing de roupas e bolsas de luxo para mostrar os sanduíches e smoothies que estão comprando.
Starbucks? Não. Eles compram lanches criados em parceria com influenciadores e grandes celebridades, como Hailey Bieber que, inclusive, impulsionou muitas das trends com nomes de comida.
Ainda de acordo com a matéria, muitos jovens gastam quase 100 dólares em um combo na Erewhon Market, rede de supermercados de luxo em Los Angeles, em que só o smoothie custa 25 dólares.
O custo mensal de uma dieta diária na Erewhon pode chegar ao valor de uma bolsa da Prada - luxo que para a Gen Z já não importa tanto quanto mostrar que está comendo o lanche pensado pela Hailey (ou pela equipe de marketing por trás dela).
Além disso, muitos desses jovens estão buscando empregos e fontes de renda extras para bancar as compras diárias no supermercado de luxo, que chegam a até 200 dólares por semana, segundo a The Cut.
Ou seja: a comida e o status obtido por meio do seu consumo, é o novo luxo. Mas será que as pessoas ao menos saboreiam o que estão comprando?
Honey Lips, Glazed Donut Nails, Tomato Girl, Strawberry Makeup, Latte Makeup… Essas são apenas algumas das tendências com nomes de comida que viralizaram no TikTok - isso sem falar da parceria da Carmed com a Fini e, por último, com o Burger King.
Buscando entender essa fixação por comida - que sim, está atrelada ao zeitgeist -, cheguei ao artigo da Gui Takahashi na Glamour, que também questiona a quantidade de trends e traz algumas hipóteses:
Desde os primórdios da maquiagem, os seres humanos usam produtos relacionados a alimentos para pigmentar rosto, olhos ou lábios (quem aí lembra do pó de arroz?). Além disso, pigmentos de plantas e sementes foram e ainda são usados em pinturas faciais de várias culturas indígenas.
E como ela comenta no texto: “em outras palavras, já está culturalmente assimilado associar comidas a rituais de beauté”.
Por que consumimos o que consumimos?
Em um primeiro momento, as estéticas que levam o nome de comidas podem parecer "inofensivas" e por isso é importante entender o contexto em que estão inseridas. A internet conta com diversos nichos e, a partir deles, surgem novas tendências - que muitas vezes não têm nada de inovador, só um novo nome - trazendo a sensação de algo limitado e exclusivo.
Elas, por sua vez, movimentam a indústria sem que as pessoas reflitam sobre o que estão fazendo com seu dinheiro e se estão consumindo a trend porque realmente gostam/faz parte do seu cotidiano ou só para surfar a onda do falso senso de pertencimento.
Em um artigo publicado na Dazed, a escritora Caitlyn Clark tocou em um ponto importante quanto a relação das pessoas com o consumo de moda e beleza, principalmente após a pandemia:
"Quando vemos partes de nós mesmos refletidas em bens de consumo com os quais outras pessoas online também se identificam, isso pode parecer um substituto da comunidade, sem sacrificar o nosso desejo de individualismo. Fazemos parte de um grupo que é inclusivo o suficiente para sentirmos camaradagem com estranhos que têm as mesmas preferências por blush creme, mas exclusivo o suficiente para sinalizar status. Podemos escolher entre ser meninas com "blueberry milk nails girls" ou "tomato summer girls" ou "latte make-up cozy soft life girls". Mas, na realidade, é apenas a ilusão de escolha".
Aconselho a leitura do conteúdo na íntegra (em inglês) aqui.
Essa fala se conecta com a de David Sax sobre não conseguirmos controlar totalmente o que consumimos.
Corpo que come X Corpo que veste
Além da falsa sensação de controle sobre o que compramos, não há como esquecer a relação problemática entre a moda e o corpo (principalmente o feminino).
Não faz muito tempo que pessoas gordas começaram a desfilar, a ganhar destaque em capas de revista de moda e a terem roupas pensadas para o corpo delas. Porém, com medicamentos como o Ozempic, e a volta dos anos 2000 na moda, o culto à magreza também está voltando e apagando muito do que foi construído até então com movimentos importantes, como o Body Positive.
A quem interessa ver modelos magérrimas em campanhas de moda comendo um belo hambúrguer com batata frita? Que tipo de mensagem há por trás dessas imagens? E dessas marcas?
McDonald's é a marca que mais aparece nesses editoriais - não à toa foi tema de uma coleção da Moschino. Chega a ser irônico ver as marcas falando de comida, trazendo alimentos em seus editoriais e peças publicitárias, quando elas pregam justamente o corpo magro na passarela, em seus anúncios e na sociedade em geral.
Há pouco tempo as Angels da Victoria Secret's eram vistas se divertindo comendo pizzas e hambúrgueres, enquanto uma mulher com um corpo curvilíneo, por exemplo, não receberia o mesmo olhar. Isso me faz lembrar que Karl Lagerfeld comia os lanches do Mc e dizia que estava autorizado a consumir calorias porque era magro e bem-sucedido - e ele também falou que "ninguém queria ver mulheres curvas".
Ok, ele não está mais entre nós para se defender de falas antigas, mas…
Que precisamos pensar sobre isso, precisamos. Porque é só o reflexo da forma como a moda trata as pessoas.
Por que há comida nos editoriais, nas estampas, nos jantares e almoços com influenciadores, mas só há corpos magros na passarela? Nas últimas temporadas temos visto pouca diversidade. As mulheres gordas e curvy estão desaparecendo dos desfiles.
Em entrevista para O Globo, Denise Sant'Anna, autora do livro Gordos, magros e obesos: Uma história do peso no Brasil, relatou que, mesmo com os avanços dos últimos anos, o corpo magro nunca deixou de ser o mais valorizado. Além disso, as celebridades que estão resgatando esse tipo de "padrão" estão na casa dos 20 anos.
Ela chegou a levantar a hipótese de que há uma disputa de mercado em curso, uma necessidade de se impor com uma nova aparência. Essa relação entre corpo e mercado não é algo novo e também é mencionada por Beatriz Polivanov, professora de Estudos de Mídia da UFF, na mesma reportagem.
“Sempre temos uma cultura hegemônica e outras que são subalternas. Dentro dessa lógica, o padrão é muito vendável. Para chegarmos nesse corpo magro, sem celulite e tonificado, temos que trabalhá-lo. Precisamos fazer procedimentos estéticos, dieta, academia. Portanto, esses ideais movimentam todo um mercado. E isso é mais lucrativo do que o discurso de aceitação.” - explica Beatriz. Percebe que a fala da professora também se conecta à visão de David Sax?
O corpo que veste, nem sempre é o corpo que come. E o que come, é incentivado a não comer para caber, mais uma vez, em um padrão que não se sustenta e faz com que as pessoas acreditem que têm controle sobre seus gostos, compras, corpos, roupas e comida.
E quando há verdade nos produtos?
Se antes usávamos camisetas de banda para expressar nosso gosto musical, hoje usamos camisetas com vegetais, pratos e afins, para expressar nossas preferências alimentares - com o mesmo orgulho de quem tem um The Beatles enorme estampado no peito.
Alguém que faz isso de uma forma leve e divertida, gerando essa identificação e trazendo um pouco do seu lifestyle para os clientes é a chef Renata Vanzetto, responsável por restaurantes renomados em São Paulo, como Ema, Mi.ado e Muquifo.
Renata vive aquilo que vende - e esse é o diferencial da Mercearia Maravilha, loja que fica dentro de um de seus restaurantes e também tem um e-commerce.
Quando comparada com outras marcas que apenas se "apropriam da comida" sem ter uma relação que realmente faça sentido e tenha fit tanto com ela, quanto com seu público, seus produtos dão uma aula de criatividade, oportunidade e identificação.
A Mercearia Maravilha conta com uma série de produtos que vão de bonés com frases vindas da gastronomia: "Al Dente", "Pepperoni", "Cacio & Pepe", além de ecobags, camisetas, brincos e uma gama de itens de decoração que vão de velas a guardanapos, pratos, e outros.
Sua colaboração com a Jouer Couture rendeu uma nova versão da camiseta "Tô calma mas tô nervosa" um ícone da marca, e trouxe um "Tô com fome e tô nervosa" que muitos se identificarão (eu, que tenho ascendente em touro, me identifiquei!).
Outro exemplo é a colaboração entre a marca Desgosto, a Dafiti e o influenciador Mohamad Hindi. Mohamad tem um canal no YouTube que fala sobre gastronomia e é ex-participante do Masterchef. Já a Desgosto é uma marca que nasceu em Curitiba e busca inspiração em supermercados, panfletos e lojinhas de bairro.
Na colaboração com Dafiti, as peças inspiradas nos "podrões", lanches que as pessoas comem pós-balada, trazem um ar urbano e divertido para os looks, casando bem com o público que assiste aos vídeos do Mohamad e que compra tanto da Desgosto quanto da Dafiti.
Detalhe para as embalagens: a camiseta do X-Tudão vem em uma caixa de hambúrguer, com layout e rótulos desenvolvidos só para a collab - uma experiência que supera as expectativas.
Quando há verdade, contexto e compatibilidade entre marcas de moda e de comida, dá água na boca, há desejo, há identificação e vontade de pertencer. Com uma união bem pensada de ingredientes é possível saborear com gosto e querer mais: camisetas, bonés, calças, produtos de decoração…
E aí, o corpo que veste, sai satisfeito.
- E agora, você tá com fome de quê?
Pessoal, como vocês sabem, o Rio Grande do Sul precisa de ajuda no momento. Estou compartilhando a vaquinha que minha amiga Júlia fez para ajudar parte de sua família, que perdeu tudo com as chuvas.
A água chegou no teto de casa e tudo vai precisar ser reconstruído.
No momento, a família está abrigada na casa de parentes e, além das despesas do dia a dia, precisa de alguns recursos especiais para cuidar de uma das filhas, que tem paralisia cerebral. Qualquer ajuda é bem-vinda!